Período: 1999
Este é um caso clássico de conflito de interesses com decisões unânimes e em favor do acionista minoritário, embora tarde demais.
A VASP era uma das grandes companhias de aviação brasileira nas décadas de 1980 e 1990. Em 12 de maio de 1999, foi realizada reunião de diretoria com o objetivo de deliberar sobre a assinatura de protocolos e justificativas referentes à incorporação da totalidade das ações da BRATA e do Hotel Nacional à VASP. Os diretores decidiram, por unanimidade, aprovar a assinatura com a administração das sociedades envolvidas. Detalhe: a BRATA e o Hotel Nacional eram companhias controladas indiretamente pelo acionista controlador da VASP, Sr. Wagner Canhedo Azevedo.
Uma semana depois, em nova reunião de diretoria realizada no dia 19 de maio, os protocolos e justificativas firmados com a BRATA e o Hotel Nacional foram apresentados, embora os negócios de ambas companhias não estivessem diretamente relacionados à aviação comercial, foco de atuação da VASP.
Em 28 de maio do mesmo ano, o Sr. Milton Frasson, conselheiro fiscal da VASP e representante do Governo do Estado de São Paulo votou contra a efetivação da incorporação, por entender que a operação deveria ser melhor analisada, pois seria prejudicial aos acionistas minoritários em decorrência da diluição injustificada da participação do Estado no capital da companhia.
NA AGE (Assembléia Geral Extraordinária) da VASP, realizada em 7 de junho de 1999, além da ratificação dos termos da operação aprovada pela Diretoria, a Trevisan Auditores Independentes foi nomeada para avaliar as ações da BRATA e do Hotel Nacional, e a NCV Consultoria Empresarial Ltda indicada para fazer a avaliação econômica e de patrimônio líquido da VASP. A Fazenda do Estado votou contra a operação.
O preço de emissão das ações da VASP foi estabelecido com base no valor de patrimônio líquido da companhia. Já as ações do Hotel Nacional e da BRATA foram avaliadas com base no valor de seus patrimônios líquidos em 31 de dezembro de 1998. À BRATA, empresa regional de pequeno porte, teria sido atribuído valor 70% superior à VASP. A avaliação do Hotel Nacional, por sua vez, teria ficado 600% maior que a da VASP.
Na AGE da VASP, ocorrida em 21 de junho de 1999, foram aprovados os laudos de avaliação das ações da BRATA e do Hotel Nacional, bem como o preço de emissão das ações da VASP, novamente com o voto contrário apresentado pela Fazenda do Estado que, na mesma data, ingressou com uma ação cautelar contra a VASP e a Voe Canhedo S/A (empresa controladora do Sr. Wagner Canhedo Azevedo), solicitando a suspensão dos efeitos das deliberações tomadas nas assembleias realizadas nos dias 7 e 21 de junho de 1999 e a sustação da emissão de novas ações.
Apesar disso, as assembléias resultaram na emissão de 203 milhões de novas ações para o controlador, o equivalente a mais de sete vezes o número de ações anteriores à incorporação da BRATA e do Hotel Nacional. Com isso, a participação acionária da Fazenda do Estado foi reduzida de 39,99% para 4,61%.
Em decorrência da situação de controle comum existente entre a Voe Canhedo S/A, a BRATA e o Hotel Nacional, ficou evidente o conflito de interesses, previsto no Art. 115, parágrafo 1.º, da Lei n.º 6.404/76.
Em 18 de junho de 1999, o Secretário da Fazenda do Estado de São Paulo mandou ofício ao presidente da CVM, solicitando sua interveniência. Em reunião do Colegiado da CVM realizada em 9 de julho de 1999, depois portanto das assembleias, foi determinada a abertura de um Inquérito Administrativo. Entretanto, nenhuma medida cautelar foi tomada pela CVM contra a realização das respectivas assembleias.
Segundo Relatório da CVM, apesar dos questionamentos apresentados pela Fazenda do Estado de São Paulo, em nenhum momento a VASP e a Voe Canhedo S/A teriam demonstrado que a NVC Consultoria Empresarial Ltda. tinha conhecimento e capacidade técnica e profissionais qualificados para realizar trabalho de tal importância. Além disso, a própria CVM atestou que os laudos de avaliação apresentados não atendiam aos requisitos do Art. 8º da Lei n.º 6.404/76.
No entendimento da Comissão de Inquérito da CVM, a relação de troca entre as ações seria substancialmente alterada e a participação da Fazenda do Estado cairia de 39,99% para 37,77%. O relatório concluiu ainda que a argumentação apresentada para justificar a incorporação e a relação de troca das ações visava ocultar o objetivo maior do grupo controlador, "de abocanhar a fatia de aproximadamente 88% da participação da Fazenda do Estado de São Paulo no capital da VASP".
Como consequência, em outubro de 2000, a CVM responsabilizou o Sr. Wagner Canhedo Azevedo por diluição injustificada da participação dos acionistas minoritários da VASP, e os membros do conselho de administração e da diretoria da VASP, por exercício abusivo de poder.
O Diretor-Relator votou pela aprovação parcial do Relatório da Comissão de Inquérito e foi acompanhado, por unanimidade, pelo Colegiado da CVM. Os acionistas minoritários, por sua vez, entraram com ação para sustar os efeitos das deliberações de incorporação e tiveram seu pleito liminarmente deferido.
Finalmente, o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional – CRSFN (que serve como segunda e última instância para as decisões da CVM) confirmou, em 20/10/2004, também por unanimidade, a decisão da CVM, ressaltando a ocorrência de conflito de interesses pelo fato dos acionistas controladores da holding serem também os controladores das duas sociedades que estavam sendo objeto de incorporação. Isso, por si só, impede o voto da controladora na AGE da companhia que deliberou acerca dos laudos de avaliação de bens de suas controladoras e cuja composição acionária sofreu profundas alterações, com aumento da participação da controladora direta e consequente redução da participação da acionista minoritária.
Na decisão sobre o caso VASP, nem o colegiado da CVM (em 26/10/2000), nem o CRSFN (em 20/10/2004) aceitaram o argumento da defesa da Voe Canhedo S/A e do Sr. Wagner Canhedo, de que “a lei societária teria legitimado o voto do acionista controlador tanto na incorporação de sociedade controlada, quanto na hipótese de incorporação da totalidade das ações de outra companhia e, ao proibir o controlador direto ou indireto de votar, estaria negando vigência às disposições dos Arts. 264 e 136 da Lei 6.404/76”.
Na conclusão do caso, na esfera judicial do Estado de São Paulo, por decisão unânime, já em segunda instância confirmando a decisão da primeira instância, as assembleias realizadas em 1999 foram anuladas. Infelizmente, muito tarde para um impacto significativo aos minoritários da VASP, empresa que parou de operar em 2004, requereu recuperação judicial em 2005 e teve sua falência decretada em 2008.
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Aqui você poderá acessar documentos e relatórios, por meio de links ou download, que comprovam o relato feito em cada caso. Esses materiais complementares são informações públicas extraídas de sites como o da CVM ou de instituições bancárias. |
http://www.cvm.gov.br/port/inqueritos/link.asp?File=inqadm2000.htm#23/99 |
http://www.estadao.com.br/arquivo/economia/2004/not20041021p23214.htm |
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