Transparência e Governança

 
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Sem consenso

Impedimento de voto de acionista em conflito de interesses vira objeto de desejo de investidores. Mas as divergências sobre o tema põem em xeque o seu uso

Danilo Gregório | Bruna Maia

Em caso de conflito de interesses, impeça o voto do controlador. É assim que investidores minoritários têm tentado resolver uma cena clássica de confronto com acionistas majoritários: as incorporações entre companhias de um mesmo grupo societário. Nessa situação, controladores podem ser beneficiados em qualquer uma das pontas, tanto na empresa incorporada quanto na incorporadora, já que são donos de ambas. Por isso, minoritários sempre duvidam da independência do controlador nas assembleias que decidem essas operações. Quem garante que ele não vai votar no sentido de favorecer a empresa na qual tem participação maior? Teoricamente, a Lei das S.As., no artigo 115, proíbe o acionista de participar de deliberações que "puderem beneficiá–lo de modo particular, ou em que tiver interesse conflitante com o da companhia". O que parece claro na previsão legal, todavia, não encontra consenso entre os agentes do mercado sobre a sua aplicação. Nem as definições de benefício particular e de interesse conflitante são unânimes. Sendo assim, fica difícil saber quando e como o impedimento de voto será possível.

Vetar o voto dos controladores é o desejo de investidores minoritários da Brasil Telecom (BRT), que querem evitar a aprovação dos termos propostos para a sua reorganização societária. A maior razão da queixa são critérios adotados para a relação de troca de ações de empresas do grupo controlador pelos papéis da BRT. O plano da reestruturação inclui a migração de acionistas da Tele Norte Leste Participações (TNL) e da Telemar Norte Leste (Tmar), também listadas em bolsa, para a base acionária da BRT (Oi), de modo que esta última se torne a única companhia da cadeia societária cotada na BM&FBovespa e na Bolsa de Valores de Nova York. O poder de controle da BRT, sob a nova denominação de Oi, passaria a ser exercido diretamente pela Telemar Participações (TmarPart), que, por sua vez, continuaria sendo controlada pelos grupos Andrade Gutierrez e La Fonte; o BNDES; a Fundação Atlântico; os fundos de pensão Funcef, Petros e Previ; e, partir deste ano, a Portugal Telecom.

Os administradores da BRT, em sua maioria indicados pelo bloco de controle, montaram a proposta baseando–se no valor de mercado das ações nos 30 dias anteriores ao anúncio da reorganização societária, em 24 de maio. Na visão da Polo Capital, uma das gestoras de fundos de investimento com participação minoritária na Brasil Telecom, nesse período os preços dos papéis estavam subprecificados, em decorrência das especulações que rondavam a reestruturação.

DONOS DO BOLO — Discordar de modelos de avaliação de empresas em ocasiões como essa não é novidade no mercado de capitais brasileiro. A diferença agora é que os minoritários querem emplacar os conceitos presentes no artigo 115 para fazer valer suas convicções. Para Claudio Andrade, sócio da Polo, é cristalino o conflito de interesses entre a Brasil Telecom e seus controladores na assembleia que aprovará a troca de ações, ainda sem data determinada: "É como cortar o bolo e escolher o pedaço". Nesse sentido, a BRT teria o interesse legítimo de estimar no patamar mais alto possível o valor de seus papéis, enquanto para o bloco controlador, que também é dono das empresas incorporadas, seria interessante achatá–lo (quanto mais baixo o valor, maior o número de ações recebidas). Com as trocas de ações, o grupo de controle ampliará, ainda, sua fatia acionária na BRT, diluindo a dos minoritários, pois os acionistas da empresa incorporadora não têm direito de participar da emissão feita para pagar os investidores das incorporadas. Esse ganho, acredita Andrade, "é um benefício particular".

Procurada pela CAPITAL ABERTO, a Brasil Telecom não comenta se concorda com essa leitura. Declarações dos controladores dadas à imprensa, porém, indicam que eles se veem no direito de votar. O fato é que, assim como os laudos de avaliação, o ponto do direito ou não ao voto gera discussões intermináveis. Nem a regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) nem a jurisprudência são definitivas sobre isso.

Em setembro de 2010, uma decisão da CVM até trouxe esperança para quem queria, de uma vez por todas, barrar acionistas em situação de conflito nas assembleias. O colegiado da autarquia determinou que, numa assembleia da Tractebel que deliberaria sobre a aprovação da aquisição de uma empresa vendida por seu controlador, a GDF Suez, este último não poderia votar. O relator do caso, o diretor Alexsandro Broedel Lopes, salientou que a existência de um conflito de interesses — atuação do controlador como vendedor e comprador —, por si, bastava para impedir o voto. Esse entendimento alterou uma posição que vinha sendo mantida pela CVM por dez anos: a de que o conflito de interesses só poderia ser verificado após o exercício do direito de voto (a posteriori) e, portanto, seria insuficiente para impedi–lo.

O episódio envolvendo as empresas do setor elétrico, no entanto, é bem específico. Para situações de incorporação, incorporação de ações ou fusão entre companhias sob controle comum, como a da Oi, a interpretação da CVM tem sido outra. O Parecer de Orientação 35 da autarquia, seguido pela Brasil Telecom, afirma ser "ponto pacífico" no regulador o entendimento de que nas operações citadas o controlador pode exercer o direito de voto. A razão para isso está no artigo 264 da Lei das S.As., que, segundo a CVM, criou um "regime especial" para essas operações, permitindo, "via de regra", o voto do controlador (por "especial", entenda–se um modelo com regras próprias, com direito de reembolso a acionistas dissidentes; o artigo 264, porém, não chega a mencionar a possibilidade de voto do controlador). Uma exceção seria a obtenção de benefício particular pelo acionista, nas hipóteses previstas pelo Parecer 34, de 2006. Nesse texto, a CVM reconheceu a proibição de voto quando são atribuídas relações de troca distintas para as ações conforme a classe, espécie ou titularidade.

O regulador reforçou essa posição ao negar, em abril, um pedido do Tempo Capital Principal Fundo de Investimento em Ações. O fundo solicitara a interrupção do prazo para a realização das assembleias da Vivo e da Telesp que deliberariam a incorporação de ações da primeira pela segunda. Foi alegado um conflito de interesses da Telefônica nas duas deliberações, visto que o conglomerado espanhol de telecomunicações faz parte do controle de ambas as companhias, com uma participação econômica maior na Telesp. Novamente, a CVM manteve–se firme no pressuposto de que, nas incorporações entre empresas de um só controlador, não há como proibir o voto.

Assunto encerrado? Não. Norma Parente, advogada que defendeu a gestora Tempo Capital nesse caso, lamenta não ter resgatado antes um antigo posicionamento da CVM diante de uma operação da Viação Aérea São Paulo (Vasp). Em 2000, o colegiado da autarquia havia decido multar a Voe Canhedo, controladora da Vasp, por abuso de poder de controle e conflito de interesses no voto sobre a incorporação de ações de duas empresas de sua propriedade ao patrimônio da companhia aérea. Dez anos depois, o Tribunal de Justiça de São Paulo referendou essa interpretação, ao decidir pela anulação da assembleia em virtude da posição conflitante da Voe Canhedo. Em nenhuma dessas instâncias, o artigo 264 da Lei das S.As. foi lembrado como sinal verde para o voto. Norma, que também defende agora minoritários da Brasil Telecom, entende que o ato de 2010 do tribunal jogue uma nova luz sobre o debate.

Ainda que já tenha sido aberto um precedente diferente, é impossível prever como a CVM se comportará nos próximos casos. A renovação de componentes do colegiado e o desenrolar de outras operações societárias ampliam as possibilidades de veredito. Cinco anos atrás, no Parecer 34, a CVM foi assertiva em dizer que circunstâncias de benefício particular seriam capazes de barrar, previamente, o voto, sem se sentir segura para afirmar a mesma coisa sobre conflito de interesses. No caso Tractebel, contudo, mostrou–se convicta de que essa hipótese também pode impedir o voto. Mas falta ainda uma diferenciação clara entre benefício particular e conflito de interesses. No Parecer 34, a autarquia admitia ser difícil distingui–los. Hoje, esses conceitos continuam a suscitar leituras diversas de advogados e provocar confusão no mercado.

Quando Abilio Diniz se empenhou em concretizar a união entre o Pão de Açúcar e o Carrefour, à revelia do seu sócio Casino, houve quem aventasse a possibilidade de uso do artigo 115 da Lei para impedir o voto de ambos nas assembleias que dariam andamento à operação. A fusão, se levada a cabo, poderia ter trazido benefícios para um e prejuízos para outro: de um lado, Abilio conseguiria manter seu poder de controle num Pão de Açúcar ainda maior; de outro, o Casino perderia a chance de receber o controle do Pão de Açúcar, pelo qual já pagou, e, por tabela, assistiria à ascensão do seu rival histórico Carrefour. Com tantos interesses em jogo, a leitura de alguns advogados foi a de que tanto Abilio quanto Casino poderiam, em última análise, estar impedidos de votar nas assembleias, deixando uma decisão contundente como essa somente nas mãos de investidores minoritários. Se a avaliação é exagerada ou paranoica, não se sabe, pois não chegou a ser levada adiante. A associação foi descartada em julho, um mês depois de anunciada. No entanto, essa hipótese ilustra bem a dimensão a que podem chegar as opiniões sobre o artigo 115.

DEFINIÇÃO NEBULOSA — Os casos já julgados pela CVM giram em torno de questões em que fica evidente qual seria o benefício do acionista. Para Erasmo Valladão França, advogado e professor da faculdade de direito da Universidade de São Paulo (USP), conhecido defensor da corrente do conflito de interesses "material" — segundo a qual o conflito só pode ser verificado após o voto do acionista —, quando o benefício particular é claro, o acionista não pode votar.

O problema é o que fazer em condições em que essa vantagem não é tão visível. França cita um exemplo: uma companhia vai construir uma estrada perto de um sítio do acionista controlador, trazendo valorização do imóvel e comodidade para ele. Nesse caso, o acionista teria um bônus para si, não dividido com os outros. Porém, não faria sentido impedir esse sócio de votar. "Trata–se de um acaso. Não traz ônus para a companhia nem para os outros sócios", explica. Na visão dele, portanto, o voto só deve ser proibido quando a questão, de alguma maneira, afeta as contas da empresa ou traz uma perda para os demais acionistas. O voto deveria ser proibido, entretanto, se a proposta fosse alterar o rumo da rodovia, de maneira que ela passasse pelo imóvel do acionista, elevando os custos de construção.

O advogado João Marcelo Pacheco, do escritório Pinheiro Neto, tem uma interpretação mais restritiva. Para ele, o benefício particular existe apenas quando favorece a condição de acionista da parte envolvida — como no caso, por exemplo, de uma troca de ações em incorporação. Qualquer vantagem que não represente um ganho político ou econômico na companhia (como no exemplo da estrada) configuraria um caso de interesse conflitante, que é menos objetivo que o benefício particular e, por essa razão, torna a análise sobre o impedimento de voto do acionista mais complexa. Em contraposição, Roberta Nioac Prado, professora da Direito GV, entende que o benefício particular engloba qualquer vantagem que não seja compartilhada com os demais sócios, independentemente de ela se referir ou não à condição de acionista (enquanto o interesse conflitante, por sua vez, seria restrito a esse requisito).

O julgamento de mais casos concretos tende a estabelecer a visão preponderante. Enquanto isso, resta pouco mais do que o bom senso para saber quando impedir um acionista de votar. "Se formos nos estender demais na análise de onde pode haver um benefício particular, chegaremos ao ponto de avaliar até a psicologia dos indivíduos", comenta o advogado Carlos Portugal Gouvêa, sócio do escritório Levy & Salomão. Afinal de contas, não são poucas as hipóteses em que alguém pode ter, a partir de uma decisão, um benefício que não se aplica ao restante dos acionistas. Uma posição mais taxativa da CVM poderia esclarecer essas dúvidas, sob o risco, porém, de ser descritiva demais e abrir espaço para escapadelas às regras. Proibições vagas, às vezes, são mais eficazes. Com elas, tudo pode ser proibido.

Controladores já receberam seu prêmio

Em todo o conjunto de operações que resultarão na transformação da Brasil Telecom (BRT) na única empresa do grupo Oi listada em bolsa, o que aumenta a desconfiança dos investidores da BRT é o fato de que os controladores já garantiram uma bolada. Os grupos La Fonte e Andrade Gutierrez venderam participações indiretas na TmarPart (por meio das holdings LF Tel e AG Telecom Participações, respectivamente) para a Portugal Telecom, no ano passado. Mas os valores não seguiram cotações de mercado — a AG Telecom nem é listada. Já os aumentos de capital de Tmar e TNL, conduzidos no primeiro semestre para a entrada da Portugal Telecom, foram definidos a partir dos preços de bolsa.

Em fevereiro de 2011, em entrevista à CAPITAL ABERTO, Reginaldo Alexandre, presidente da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais em São Paulo (Apimec SP) estimou que os valores das negociações com ações de LF Tel e AG Telecom Participações (um total calculado em R$ 3,2 bilhões) superaram em dez vezes a referência para os preços de mercado de TNL e Tmar.

Na mesma reportagem, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) havia informado, sem detalhar, que analisava a possibilidade de conflito de interesses no voto dos controladores nas assembleias que determinariam os aumentos de capital de Tmar e TNL. Procurada em setembro para falar sobre as incorporações a serem feitas pela Brasil Telecom, a autarquia preferiu não comentar. "As situações em que o acionista fica impedido de votar em decorrência de benefício particular ou conflito de interesses são analisadas em cada caso concreto, levando em conta as características que circundam a operação", informou a CVM por meio de nota. (D.G.)



Notícia publicada por Revista Capital Aberto, Ano 9, Edição 098 | Outubro 2011

 


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