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Petrobras é vítima, na doutrina de mercado brasileira

 

12/12/2014 às 05h00

Valor Econômico - por Graziella Valenti | De São Paulo

Nos processos pertinentes ao mercado de capitais brasileiro que derivarem da Operação Lava-Jato, a Petrobras será encarada como vítima. Este deve ser o olhar da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), com base no que se sabe até o momento. Trata-se de uma abordagem completamente diversa da que prevalece no mercado americano, onde já existem seis iniciativas de ações coletivas contra a estatal em busca de indenização.

Portanto, aqui, a companhia não deve ser ré, conforme o Valor apurou. Apenas seus administradores. Essa é a percepção que predomina até o momento.

A Petrobras deve ser considerada vítima do descumprimento do dever de lealdade de seus administradores e também do dever de diligência - estas serão as acusações do regulador de mercado brasileiro. Das 17 frentes investigativas que existem na CVM neste momento, segundo o Valor apurou, nenhuma é contra a companhia, a Petrobras propriamente.

Mas a condição de vítima, para ser coerente, pressupõe que a Petrobras abra ações de responsabilidade civil e indenização contra os ex-executivos. Até o momento, a estatal não confirma nada neste sentido, embora tenham circulado informações de que teria iniciado uma ação contra Sérgio Gabrielli, ex-presidente da companhia.

A Lei das Sociedades por Ações diz que a ação deve ser instalada "mediante prévia deliberação da assembleia geral". Caso os acionistas não aprovem, investidores com 5% do capital podem mover o processo, independentemente da empresa. A compensação, contudo, se houver, será feita sempre em favor da companhia.

Também não há, entre as iniciativas da CVM, nenhuma que busque ressarcir as perdas dos acionistas. Eventuais penalidades à empresa, propriamente, devem ficar restritas às questões ligadas ao atraso do balanço e à qualidade de suas informações. Nesse cenário, a empresa pode ser penalizada, mas o acionista não é compensado.

Nas acusações aos administradores, a CVM está limitada a punir os diretores estatutários - além dos administradores citados na lei (conselho de administração, presidente e diretor de relações com investidores). A autarquia não consegue avaliar atuação de gerentes ou de diretores cujos cargos não estiverem previstos em estatuto.

O estatuto social da Petrobras prevê sete diretorias. Atualmente, a estatal possui cinco ativas. Os diretores citados e presos pela Polícia Federal eram todos estatutários. Assim, todos podem ser punidos pela autarquia. Aqueles cujas infrações já estiverem eventualmente prescritas - como ocorreu no caso de Nestor Cerveró - podem ser acusados se forem alvo de ações criminais.

No momento, o regulador trabalha na seleção das informações que devem fundamentar os processos. A CVM não precisa refazer a investigação já realizada pelo MP, pode "emprestar as provas" do órgão para suas acusações. Necessita antes organizar, dentre os dados coletados, aqueles que possam caracterizar a falta de lealdade e de diligência com a empresa. Segundo o Valor apurou, a autarquia vem tendo pleno acesso à investigação feita pelo MP.

Com base nesses documentos e em questionamentos feitos pela própria autarquia, a CVM vai avaliar também se os demais administradores - além dos citados nas investigações - foram negligentes, pois poderiam ter sido mais diligentes na verificação de investimentos, despesas e contratos. Na prática, significa estender o caso até o conselho de administração, que a presidente Dilma Roussef já presidiu. Hoje, o cargo é do ministro da Fazenda Guido Mantega.

O Valor apurou que tampouco o Ministério Público Federal está, neste momento, focado em qualquer discussão pertinente ao mercado de capitais - além do fornecimento de informações à CVM. O caso ainda está na fase investigativa. Nem CVM e nem MP estão considerando pedir instalação de ação coletiva para os investidores.

Nos EUA, onde o caso também é investigado pela Securities and Exchange Commission (SEC, a CVM americana), a situação é bastante diferente. Lá, a empresa já é, inclusive, alvo de seis ações coletivas de investidores de mercado. Eles buscam ressarcimento pelas perdas com a aplicação nas ações da estatal. O argumento principal: informações enganosas levaram os investidores a decisões equivocadas de investimento - pelo superfaturamento de obras para desvio de obras da empresa.

Marcos Pinto, ex-diretor da CVM e hoje sócio da Gávea Investimentos, explica que, nos Estados Unidos, quase sempre as ações coletivas de investidores falam em prestação de informações incorretas. Esse é o caminho mais curto na busca por indenizações.

Por isso a decisão da auditoria da companhia, a PricewaterhouseCoopers, de não aprovar o balanço enquanto não houver uma investigação interna, deu força significativa à queixa dos detentores de recibos americanos de ações (ADRs).

No Brasil, a Lei das Sociedades por Ações tem como espinha dorsal a estrutura de capital que historicamente predomina no país: de companhias com dono. Assim, ela cuida especialmente da relação entre controladores e minoritários, na tentativa de evitar abusos do mais forte sobre o mais fraco.

Além disso, há um entendimento de que a companhia faz parte do patrimônio social (qualquer que seja), por sua capacidade de gerar empregos e pagar impostos. Dessa forma, penalizar as empresas não seria eficiente do ponto de vista de funcionamento para a sociedade.

Essencialmente só CVM e MP têm o poder para solicitar ações que busquem compensar os investidores coletivamente - mesmo que a conta não seja cobrada exatamente da companhia, como nos EUA. Elas podem recair sobre os administradores acusados.

Já os Estados Unidos têm sua regulação calcada nas companhias sem dono. O investidor, portanto, é prioridade. Sem o capital dele, não há empresas.

Aqui, os caminhos para investidores buscarem ressarcimento de companhias são escassos e longos. Um acionista sozinho até pode buscar compensação. Entretanto, terá de arcar com os custos do processo e a decisão beneficiará (se favorável) somente a parte do processo. Não valerá aos demais acionistas na mesma situação - como ocorre nos Estados Unidos.

A Petrobras vale, na BM&FBovespa, US$ 51,6 bilhões. O montante é inferior à polêmica e mega capitalização de US$ 70 bilhões - R$ 120 bilhões - feita em 2010 para que a União aportasse o petróleo do pré-sal dentro da estatal.

Além dos fundos nacionais e internacionais, tal prejuízo atinge também 280 mil pessoas físicas - sem contar as milhares que aplicaram recursos do FGTS em fundos dedicados, em uma oferta pública realizada em 2003.

A estatal já foi a maior companhia da BM&FBovespa em valor de mercado. Agora, está atrás da fabricante de bebidas AmBev (R$ 251 bilhões) e dos bancos Itaú Unibanco (R$ 187 bilhões) e Bradesco (R$ 150 bilhões). Ainda assim tem a segunda maior participação na composição do Índice Bovespa - peso de 8%, atrás de Itaú e Bradesco, com pouco mais de 10% cada. Por isso, essa concentração acaba por expor parte significativa dos investidores de fundos de ações - cujo parâmetro é o desempenho do Ibovespa.

Estima-se, até o momento, que os desvios na Petrobras com superfaturamento de obras sejam de R$ 10 bilhões. O MP, contudo, suspeita que esse valor possa alcançar R$ 20 bilhões, ao menos.

Em razão da expectativa de que o balanço financeiro possa sofrer ajustes para refletir o valor real dos ativos, analistas refizeram os cálculos do valor da estatal.

Estimativas que antes chegavam a um valor de R$ 340 bilhões para a companhia, agora não passam de R$ 160 bilhões. Na bolsa, a companhia vale menos do que isso: R$ 135,5 bilhões, no fechamento de ontem.

Na opinião de Maria Helena Santana, ex-presidente da CVM, o Brasil tem problemas estruturais na questão das ações coletivas. Não apenas pela dependência dos órgãos públicos, mas também pela demora e pela falta de especialização do judiciário com o tema.

Para ela, a despeito de prevalecer no país a doutrina de que as empresas são, em geral, vítimas da má conduta de seus administradores, há situações em que as companhias deveriam ser penalizadas - pois não buscaram o desenvolvimento de sistemas e mecanismos de controles internos eficientes.

Sem essa ferramenta efetiva, Maria Helena acredita que o "braço privado" da fiscalização fica prejudicado no Brasil, o que reduz a eficiência do mercado.

Para casos que envolvam corrupção, na visão da ex-presidente da CVM, a lei anticorrupção poderá suprir essa questão. Sua percepção é de que, desde a criação da lei para pessoas jurídicas, as empresas estão de fato mais preocupadas em criar estruturas eficazes.

Ary Oswaldo Mattos Filho, fundador do escritório que leva seu nome, ex-presidente da CVM e hoje dedicado à academia na Fundação Getúlio Vargas (FGV), acredita que há espaço para ações coletivas no caso da Petrobras, mesmo no Brasil. CVM e MP deveriam promover tais ações, na opinião dele.

Para esta finalidade, além da Lava-Jato, Mattos Filho aponta também a questão da defasagem ante os preços internacionais da gasolina - a empresa atuou contra seu próprio objeto social.

Para ele, a situação coloca em xeque não apenas o tratamento das companhias como "vítimas", mas todo modelo de companhia importado dos Estados Unidos. Os conselhos de administração, que deveriam fiscalizar os executivos, no Brasil, estão a serviço dos controladores e não das empresas - o que foge totalmente ao conceito de criação deste órgão.

Na visão de Pedro Marcílio, ex-diretor da CVM e hoje sócio na BR Partners, é contraprodutivo penalizar a companhia para compensar investidores. "Tirar dinheiro da Petrobras para entregar aos seus acionistas é tirar deles (a Petrobras irá valer menos) e entregar para eles. Além disso, pode gerar problemas de fluxo de caixa num momento já complicado". A avaliação de Marcílio é a que predomina entre os advogados a respeito do caso. "A empresa que, por falta de controles, sofreu corrupção, já foi punida: perdeu dinheiro, teve sua credibilidade abalada e o mercado passa a olhá-la com desconfiança."

 

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