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Quando o abuso de poder parte dos minoritários

 

Valor Econômico

14/02/2014

Por Paula Magalhães

Sempre existiu a tendência dos acionistas minoritários de companhias abertas de, com base numa suposta fragilidade diante do controlador, reclamar do tratamento desigual, do abuso do poder de controle e da violação de seus direitos, inclusive no que diz respeito às ofertas públicas de aquisição de ações - OPAs, que no Brasil são reguladas pela Lei 6.404/76, pela Instrução CVM 361/02 e pelos regulamentos da BM&FBovespa dos Níveis 1, 2 e Novo Mercado ("Regulamentos de Listagem").

Até muito pouco tempo atrás, as OPAs campeãs de controvérsias e processos que movimentaram o colegiado da CVM e deram constantes dores de cabeça aos acionistas controladores, eram as OPAs por alienação de controle. No entanto, acompanhando o movimento da economia mundial, onde nem sempre o ambiente de bolsa é o mais recomendável - principalmente para algumas empresas que aproveitaram o boom das aberturas de capital durante os anos de 2006 e 2007 - a OPA para cancelamento de registro tem dividido o palco da discórdia e da reclamação com aquela por alienação de controle desde o final de 2011, quando duas operações de cancelamento de registro foram suspensas por seus minoritários praticamente no mesmo dia.

A CVM e a BM&FBovespa exigem, por meio da instrução CVM 361/02 e dos regulamentos de listagem, diversas obrigações, limites e providências que fazem o controlador andar na linha: o laudo de avaliação da empresa que deixará de ser listada e das suas ações deve respeitar todos os critérios e metodologias da Instrução CVM 361/02, e, com a nova redação dos regulamentos do Novo Mercado e do Nível 2, a BM&FBovespa deixou bastante claro que tal documento deve satisfazer também os requisitos do parágrafo 1º do artigo 8º da Lei 6.404/76, principalmente no que diz respeito à responsabilidade do avaliador prevista no mesmo artigo, por culpa e dolo em danos resultantes da avaliação.

Ainda, a BM&FBovespa passou a exigir das empresas listadas no Nível 2 e Novo Mercado, a manifestação obrigatória dos respectivos conselhos de administração sobre toda e qualquer oferta pública de aquisição de ações envolvendo a companhia objeto, detalhando prós e contras da oferta para os acionistas e para a companhia, além de incluir obrigações adicionais para os casos de companhias com o capital pulverizado (nas OPAs de saída do respectivo nível de governança), de forma que se determine quem "pagará a conta" na ausência de um acionista controlador. Aliás, em recente ofício circular, a BM&FBovespa esclareceu quais informações e opiniões são esperadas do conselho de administração da companhia objeto, para que as informações passadas ao investidor não sejam vagas ou superficiais.

É concedido também aos minoritários que detenham no mínimo 10% das ações em circulação, o direito de contestar o laudo contratado pelo acionista controlador e o valor "justo de mercado" oferecido e fundamentado com base no referido laudo, dando a possibilidade da escolha e contratação de um segundo avaliador. No caso das companhias listadas nos dois níveis superiores de governança corporativa da BM&FBovespa, temos uma proteção ainda maior, pois a escolha do primeiro avaliador da companhia também é de competência privativa da assembleia geral, a partir da apresentação, pelo conselho de administração, de lista tríplice, devendo a respectiva deliberação ser tomada pela maioria dos votos dos acionistas representantes das ações em circulação presentes naquela assembleia, que se instalada em primeira convocação deverá contar com a presença de acionistas que representem, no mínimo, 20% (vinte por cento) do total de ações em circulação, ou que se instalada em segunda convocação poderá contar com a presença de qualquer número de acionistas representantes das ações em circulação.

Em suma: está muito claro que a vigilância e punições ficaram cada vez mais severas para os controladores, para a alta administração da companhia objeto e para os seus assessores financeiros.

Por outro lado, qual a consequência prevista na norma para que o minoritário, blindado pela regra, não cometa eventuais desmandos? A resposta é simples: além de poder prejudicar a empresa em que investe e com isso afetar o próprio investimento, não há outra consequência específica regulatória (principalmente do ponto de vista de responsabilidade por dolo), pois a regra apenas determina que, se o preço do novo laudo for inferior ao já proposto pelo acionista controlador, os acionistas minoritários que solicitaram ou que concordaram com a nova avaliação, devem ressarcir a companhia pelos custos incorridos (basicamente o valor do novo laudo) que, geralmente são bastante acessíveis ao perfil de minoritário que hoje existe no Brasil.

Claro que, se o preço atingido pelo novo laudo for maior do que o originalmente proposto, o acionista controlador tem a opção de desistir da sua oferta mas, ainda que exista tal prerrogativa do ofertante, uma discordância entre ele e os minoritários sobre o" valor justo de mercado", pode afetar negativamente a cotação dos valores mobiliários da empresa alvo.

Além disso, existe uma grande questão: sendo o primeiro laudo questionado por minoritários e obtido um preço mais elevado por um segundo avaliador, o simples fato deste segundo laudo ter sido contratado pelo minoritário faz dele mais "verdadeiro" ou mais "correto" e que, portanto, este segundo laudo deve ser seguido sem qualquer outro questionamento ou ao menos uma alternativa de um terceiro laudo para confirmação de tais valores? Ao controlador resta apenas desistir da OPA? Infelizmente, sim.

Em poucas palavras: na atualidade, o minoritário tem muito mais do que o simples direito de exigir o direito de receber o valor justo por suas ações em um fechamento de capital. Ele tem o poder de barrar um processo muitas vezes vital para a companhia, sem uma justificativa razoável pois, para eles, não há uma punição real que desmotive o abuso.

Paula Magalhães é sócia de Tauil & Chequer Advogados.

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