Transparência e Governança

 
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CVM precisa agir de forma mais preventiva, diz presidente da Amec

 

10/02/2015 |

Brasil Econômico

Presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais, Mauro Cunha, defende que a Comissão de Valores Mobiliários se manifeste com mais frequência. Cunha é conselheiro da Petrobras e votou contra a nomeação de Aldemir Bendine

Alessandra Este endereço de e-mail está protegido contra spambots. Você deve habilitar o JavaScript para visualizá-lo.

São Paulo - A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) deveria focar mais em ações preventivas e se manifestar com mais frequência. A afirmação é do presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), Mauro Rodrigues da Cunha, que também é conselheiro independente da Petrobras. Na semana passada ele foi um dos três conselheiros que votaram contra a escolha do novo presidente da estatal, Aldemir Bendine, criticando publicamente o processo de aprovação. “Prevaleceu a vontade do controlador”. Sem querer comentar sua posição, Cunha falou ao Brasil Econômico sobre a necessidade do órgão regulador influenciar as ações dos agentes do mercado antes que os problemas aconteçam.

O mercado de capitais está vivendo uma de suas piores crises de governança, por causa da Petrobras. A estrutura regulatória não está sendo eficiente do ponto de vista do investidor?

 

Está faltando eficácia. Existem melhorias que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) pode buscar. Hoje temos um processo administrativo burocrático e muito rígido, que faz com que as decisões demorem muito para serem tomada, mesmo com esforço de agilidade que a CVM tem feito de selecionar os processos mais relevantes para priorizá-los.

 

As punições que a CVM aplica são suficientes?

Muitas vezes as punições à disposição da CVM não são suficientes para induzir uma prática melhor dos agentes do mercado. Também tem a questão cultural e um certo comodismo, que tornam determinadas decisões um pouco frustrantes do ponto de vista prático do mercado. Muitas vezes você tem todos os indícios e o cheiro de que teve algum problema e há uma absolvição por falta de prova, ou por acusação inepta ou algo neste sentido.

O que poderia mudar na questão cultural?

 

Nesta questão entra também a necessidade de ter um órgão regulador mais focado em ação preventiva. Para agir de maneira preventiva o regulador precisa se manifestar com mais frequência, precisa dar sua opinião, precisa querer influenciar as ações dos agentes do mercado antes que os problemas aconteçam. Quem faz isso muito bem é o Banco Central. Muitas vezes, a interferência do BC é mais poderosa do que uma atividade regulatória. Na CVM a gente vê um pouco mais de timidez de ter essa mesma atitude.

A CVM tem poder para agir preventivamente?

Todo órgão tem poder de atuar mais preventivamente. Se você é o regulador e se predispõe a dar sua opinião sobre coisas, você pode usar esse painel de comunicação com os agentes regulados. Outros reguladores fazem isso com mais liberdade do que a CVM faz hoje. Não tem nada que impeça que ela faça isso. A CVM faz isso através de um documento muito formal, chamado ofício circular, não é uma regulamentação, são instruções, recomendações que a CVM da à empresa. Isso tem tido impacto formidável nas empresas. Do mesmo jeito que faz isso em ofício circular, que é formal e anual, ela pode fazer dando suas declarações e se manifestando tempestivamente. Vou dar um exemplo. Em 2012 teve assembleia extraordinária da Eletrobras, onde minoritários perguntaram se a União poderia votar. A CVM ficou em cima do muro. Esse tipo de postura acaba sendo ineficaz e depois não adianta vir um cara lá na frente e dizer que não poderia votar, aí Inês é morta.

Depois das denúncias da operação Lava Jato, os conselhos de administração passaram a ser muito criticados. Como fica a questão da credibilidade nesses casos?

 

A questão da responsabilidade tem sido discutida no âmbito do Grupo Interagentes. Participamos da elaboração de um paper que foi lançado pela Bolsa no ano passado. Estamos, recorrentemente, revisitando esse ponto. Tanto as decisões da CVM, da Justiça e, agora do Tribunal de Contas da União (TCU), impactam a percepção das pessoas sobre as responsabilidades dos administradores. Algumas vezes de maneira correta, outras, de maneira incorreta. A Amec participa deste debate.

O que deve ser feito para evitar vazamento de informação nas assembleias?

O âmago do vazamento é sua antítese, defendemos conselhos transparentes. A ideia é que os temas sejam discutidos de forma mais aberta. Transparência não é obrigação de informar e, sim, o desejo de informar. É claro que o conselho de administração trata de questões confidenciais e vai continuar tratando. Ninguém está defendendo que se faça um webcast de reunião de conselho. O que precisa é que a transparência seja regra e o sigilo seja exceção. A partir desta mudança de paradigma você vai partir para a comunicação com suas partes interessadas muito mais eficaz através de atas, de políticas de divulgação e, eventualmente, de interações pessoais. O conselheiro precisa ter a chance de interagir com aquele que ele representa na companhia.

 

O que está faltando para a Lei societária ser mais eficiente?

 

Está faltando entendimento, não só do Judiciário, mas eu diria do Ministério Público também, da relevância que o mercado de capitais pode ter na economia brasileira. Hoje, o mercado de capitais é muito pouco relevante no PIB do País. Nós temos 300 e poucas empresas abertas, mas poderíamos ter 15 mil dado o tamanho do PIB e comparado com outros países que têm mercado de capitais mais desenvolvidos. A Bolsa não é muito relevante para a média das empresas e, isso precisa ser mudado. Para desenvolver o mercado de capitais a gente tem que torná-lo relevante, para que as empresas possam acessá-lo e os investidores possam investir suas poupanças pessoais.

 

Onde entra a questão do Judiciário. Ele não está fazendo um bom trabalho?

 

Hoje a impressão que a gente tem é que tanto o Judiciário quanto o sistema político acham que o mercado de capitais é um clube de gente rica, um cassino. E não é. É uma alavanca de desenvolvimento. É necessário conscientizar a classe política, o Judiciário e o Ministério Público da relevância que é preservar o mercado de capitais pelos seus princípios. O mercado de capitais não permite só que as empresas se financiem, ele dá uma injeção de transparência e formalização na economia. Uma empresa que abre seu capital não pode fazer caixa dois. Pelo menos é mais difícil, ela tem escrutínio muito maior. Você tem setores inteiros da economia que melhoraram depois daquele boom de IPOs (oferta pública inicial) de 2004 e 2008 porque teve mais empresas de capital aberto. Essa externalidade positiva do mercado tem que ser entendida pelo Judiciário porque, quando bater uma ação lá que envolve o mercado de capitais, o juiz vai falar: eu não posso só olhar esse caso eu tenho que entender o precedente e os princípios que estão envolvidos aqui para eu preservar a essência do nosso mercado de capitais.

 

Então o Judiciário precisa ter maior conhecimento para julgar apropriadamente possíveis casos?

 

Devido à importância, precisa ter mais conhecimento. Você olha um caso desses como se fosse uma ação de roubo de galinha, quando você tem princípios e procedimentos que precisam ser observados. Por exemplo, a Petroquisa, que chegou ao Superior Tribunal de Justiça e ali o STJ feriu de morte uma ferramenta essencial para os acionistas buscarem seu interesse, que é a ação de responsabilização do controlador. Esse é um caso lá de trás, da privatização do setor petroquímico, onde a Petroquisa foi obrigada a receber ativos podres. O minoritário processou o controlador para ele ressarcir a companhia, isso é chamado de ação derivativa, ferramenta poderosíssima, que existe aqui e nos Estados Unidos. A decisão do STJ fez com que investidor levasse 20 anos da sua vida buscando ressarcimento e ele levou uma bolada nas costas nos 48 minutos do segundo tempo.

Quando acontece destruição de valor da empresa por má governança é possível recuperar esse valor?

Primeiro do lado do acionista, você tem ação de reparação de danos. Depois do lado da companhia, ação de gestão. Gestão pressupõe governança.

Por que os códigos de ética das empresas são maravilhosos no papel e não são cumpridos na prática?

 

Vamos fazer um seminário em maio para discutir a forma versus a essência. Hoje a regulação se prende muito à norma X,Y e acaba permitindo a criatividade dos advogados da companhia. Neste seminário não vamos chamar a atenção só para questões regulatórias, mas também para questões que avançaram, mas que ficaram esquecidas. Por exemplo: cadê o tag a long, que não funciona? Cadê uma discussão eficaz sobre remuneração de administradores? O ano passado teve um problema sério de tag along na Usiminas. Vamos discutir casos e laudo de avaliação.

Por que no Brasil é difícil identificar casos de insider trading? Falta regulação?

 

Insider trading é um esforço e um desafio que o Brasil ainda não conseguiu endereçar adequadamente. A Amec tem discutido bastante esse tema.

Estamos passando por um dos maiores escândalos de corrupção no País. O que é preciso fazer para atrair investidores e empresas para o mercado de capitais?

Primeiro, a lei precisa ser cumprida. Eu acho que tem que haver percepção de que o Brasil é um lugar onde as regras são justas e valem para todo mundo. A discussão de insider trading tem isso muito presente, de que tem sempre um grupo que se beneficia mais do que o outro. No mercado de capitais, quando você compra 10% de uma companhia, você vai ter 10% do fluxo de caixa desta companhia. Hoje, você compra 10% da empresa e acaba tendo porcentual muito menor de fluxo de caixa porque alguém se apropria de alguma maneira. Seja através de reestruturação societária, seja por conta de venda de controle, seja por corrupção, seja por insider trading e por aí vai. Acho que todas as medidas que precisam tomar para revigorar o mercado de capitais têm que partir deste principio: como é que se garante que se eu comprar X de uma empresa, eu vou ter X do fluxo de caixa? Tão simples quanto isso.

Então precisa ter reformulação das nossas leis?

 

Acho que tem que mexer em lei, sim. Tem gente que acha que não deve mexer porque o processo é complicado, só tem corrupto. Tem que botar a mão na graxa e buscar a evolução do mercado. Em 2001, um grupo de idealistas, e eu me incluo entre eles, acreditou que podia mudar e a lei foi mudada profundamente, acho que está na hora da fazermos isso de novo. É necessário e os agentes deveriam estar com isso na agenda.

Qual é a agenda da Amec para este ano?

 

Temos trabalhado fortemente numa série de avanços regulatórios, como o voto à distância. A CVM fez audiência pública para discutir esse tema no ano passado e demos sugestões para melhorar. Estamos aguardando a CVM publicar a regulamentação e essa lei deve impactar as assembleias de 2016. Mas, em 2015 já estamos vendo movimentação de investidores mais ativistas, tendo em vista as portas que foram abertas para ter mais acesso.

 


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