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notícias Áudio pode esclarecer papel do conselho em Pasadena


Áudio pode esclarecer papel do conselho em Pasadena

 

12/08/2014 às 05h00

Valor Econômico - por Fernando Torres e Cláudia Schüffner | De São Paulo e do Rio

Enquanto se discute, no campo jurídico e político, a extensão da responsabilidade do conselho de administração da Petrobras na decisão de compra da refinaria de Pasadena, um importante componente poderia ajudar o Tribunal de Contas da União (TCU) e outros órgãos reguladores na investigação.

Segundo duas fontes disseram ao Valor, a Petrobras tem como prática antiga gravar as reuniões de conselho e a recuperação dos áudios ajudaria a esclarecer se seus membros deveriam ser responsabilizados, junto com os diretores da estatal, pela decisão tomada em fevereiro de 2006.

A estatal foi questionada sobre a existência das gravações, mas não respondeu ao jornal.

Conforme a avaliação de quatro especialistas em governança corporativa ouvidos pelo Valor, o conselheiro de administração de uma empresa não tem obrigação de refazer o trabalho da diretoria e da equipe técnica que prepara os contratos da companhia que ele representa. Esse não é seu papel e não haveria tempo hábil para isso.

Eles entendem, contudo, que o conselheiro não pode decidir sobre temas relevantes sem se certificar de que está bem informado sobre os temas que serão debatidos e votados, nem tampouco deixar de agir caso perceba que há algum risco para a companhia.

A recente decisão do TCU, que limitou a responsabilidade pelos prejuízos da Petrobras com a compra da Pasadena à diretoria da companhia, isentando totalmente o conselho, que na época era presidido pela então ministra Dilma Rousseff, levantou discussões entre especialistas em governança.

"O posicionamento do TCU é completamente errôneo em relacao aos princípios de governança. O conselheiro legalmente tem responsabilidade e não pode alegar em nenhum instante que o diretor é fraco ou que não trabalhou adequadamente", afirma Telmo Schoeler, presidente da consultoria Strategos.

Uma das questões é saber em que medida a decisão do TCU pode influenciar casos semelhantes que venham a ser debatidos pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ou pela Justiça, no âmbito da legislação societária.

Especialistas ouvidos pelo Valor fazem questão de deixar claro que nem conselheiros de administração nem diretores devem ser julgados, a posteriori, apenas pelo resultado das decisões de negócio que eles tomaram anos antes, sem ter bola de cristal.

A jurisprudência anglo-saxã - conforme o que ficou conhecido como "business judgment rule" - diz que tribunais não devem rever o mérito de decisões tomadas por administradores contanto que eles tenham agido de maneira informada, sem ferir o dever de lealdade com a empresa e sem ter nenhuma vantagem indevida.

Assim, na esfera societária, o caso Pasadena não deveria ser analisado por causa do prejuízo que provocou para a Petrobras, mas sim pelas circunstâncias em que as decisões foram tomadas.

A lei societária brasileira, de 1976, diz que "o administrador deve [agir com] o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios". Em português menos castiço, a questão é: se fosse com seu próprio dinheiro, você agiria da mesma forma? Perguntaria mais ou pediria mais tempo para analisar os contratos antes de decidir?

Não há dúvida de que membros do conselho e diretores executivos possuem papéis diferentes na condução dos negócios de uma companhia, com os primeiros sendo responsáveis por traçar as diretrizes estratégicas e fiscalizar a gestão, enquanto os últimos executam a política definida.

Porém, existe a avaliação de que os órgãos devem trabalhar em sintonia e, a priori, seria difícil excluir a responsabilidade do conselho de uma decisão que, pelo estatuto, está na sua alçada. Se o órgão não tivesse nada a ver com o caso, a decisão não precisaria da sua aprovação. E se o conselho estivesse lá apenas para ratificar decisões de instâncias inferiores, ele perderia a razão de existir.

Essas são avaliações genéricas, que valem como regra geral.

Na análise caso a caso, é possível, por meio de provas e depoimentos, individualizar a responsabilidade de cada administrador.

Na decisão de compra da refinaria de Pasadena, por exemplo, se um conselheiro conseguir provar que questionou a diretoria sobre eventuais riscos que não constassem do resumo executivo que foi levado a eles, e que tivesse tido resposta negativa por parte do então diretor da área internacional, Nestor Cerveró, que apresentou o negócio, isso poderia ser levado em consideração.

Outras evidências de que o conselho de administração procurou tomar uma decisão bem informada sobre a operação seriam a comprovação de que a transação havia sido discutida em reuniões anteriores - a documentação mostra que o assunto foi debatido em setembro de 2005 -, ou mesmo a extensão da pauta da reunião na data da aprovação, em 3 de fevereiro de 2006. Se a compra era um item entre 20, para uma reunião de 2 horas, por exemplo, seria razoável supor que houve pouco tempo para debate da questão. Caso a pauta fosse reduzida, e tivesse sido discutida por mais tempo, isso beneficiaria a avaliação dos conselheiros.

As declarações da presidente Dilma Rousseff, de que o sumário executivo levado ao conselho era falho e que ela teria agido de maneira diferente se soubesse de duas cláusulas que não constaram do documento, não a ajudariam em um processo no âmbito do mercado de capitais, na visão dos especialistas. Os comentários indicam que, pela avaliação dela, o negócio poderia ser evitado já em fevereiro de 2006, se houvesse mais diligência, independentemente do que ocorreu depois. Isso contraria o argumento do ex-presidente da Petrobras José Sergio Gabrielli, de que o negócio era bom quando foi aprovado e só provocou prejuízo por mudanças em condições de mercado, como a crise de 2008.

A declaração pesaria contra a presidente em um processo diante da lei societária porque caberia à ela, assim como aos demais conselheiros, entre os quais os experientes homens de negócio Claudio Haddad, Fabio Barbosa e Jorge Gerdau, questionar Cerveró e os outros diretores da Petrobras na ocasião se havia riscos para a estatal além do que estava exposto naquelas duas páginas. Ou se o desembolso de US$ 340 milhões inicialmente aprovado poderia virar mais de US$ 1 bilhão. Se a pergunta foi feita, seja por Dilma ou por outro conselheiro, isso poderia ser demonstrado com a gravação da reunião, com a ata interna ou com relato dos participantes.

Segundo o código do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), além de conhecimento técnico e experiência no mundo dos negócios, um bom conselheiro de administração deve ter alinhamento com os valores da empresa, motivação, disponibilidade de tempo e coragem para se manifestar. "Quando o conselheiro vir algo que não está correto ou bem explicado, ele tem que ter liberdade e capacidade de verbalizar aquilo", diz Eliane Lustosa, vice-presidente do conselho de administração do IBGC. Segundo ela, do IBGC, "mais do que saber as respostas, o conselheiro deve saber perguntar". E se não ficar satisfeito, pedir mais tempo para avaliar o caso.

No caso da Petrobras, é possível que uma linha de defesa seja a de que a política interna para aquisição de empresas foi cumprida. Havia dois pareceres jurídicos internos sobre os contratos, aval das diretorias internacional e financeira e uma opinião formal do Citibank dizendo que o preço oferecido pela primeira metade da refinaria estava dentro do razoável.

Contudo, o cumprimento formal de políticas não é suficiente para provar a diligência. "Se não tem o conselho para desafiar o que foi feito, melhor não ter conselho", diz uma fonte que já participou de julgamentos de administradores no âmbito do mercado de capitais, mas pediu para não se identificar. Segundo ela e outra fonte, o conselheiro não pode transferir sua responsabilidade para o departamento jurídico da empresa, por exemplo.

Ainda segundo as fontes, a legislação não prevê diferença de responsabilidade para o presidente do conselho e os demais membros do órgão.

Em relação à diretoria, não é possível alegar desconhecimento, já que seus membros receberam os contratos na íntegra.

Além disso, em um dos dois pareceres jurídicos internos sobre o negócio - uma espécie de resumo comentado dos contratos levado à diretoria -, aos quais o Valor teve acesso, assinado pelo então gerente jurídico Carlos Cesar Borrromeu de Andrade (um dos executivos da estatal formalmente acusados pelo TCU), é dito que os contratos tinham "previsão da compra pela PAI ('put option') da participação da Astra em situações de impasse". PAI é a sigla para Petrobras America Inc..

Borrromeu de Andrade não mencionou em seu parecer, contudo, o preço que seria pago pela segunda metade do capital acionário, que previa prêmio de 25% sobre o valor da primeira, e constava de um anexo ao contrato.

Também não aparece a menção a outro dispositivo, que assegurava rentabilidade mínima de 6,9% aos sócios da refinaria se o projeto de reforma da unidade (revamp) fosse levado adiante, como desejava a Petrobras.

Seria importante verificar, então, se a omissão desses itens no resumo executivo e na apresentação feita ao conselho por Cerveró foi intencional e também questionar porque esses temas não foram mais discutidos pela diretoria, já que os elementos são centrais a um acordo de joint venture.

Em relação às punições, os especialistas entendem que só faz sentido pedir ressarcimento de valores, como fez o TCU, se ficasse comprovado dolo, ou vantagem pessoal dos executivos. No âmbito da lei das S.A., a falta de diligência seria punida com multa de até R$ 500 mil, ou no máximo inabilitação temporária para exercício de cargos em companhias abertas.

 

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