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Bolsa enxuta

25/06/2014 às 05h00

Valor Econômico - por Beatriz Cutait, Natalia Viri e Tatiane Bortolozi | De São Paulo

A corrida do investidor para não ficar de fora de ofertas públicas iniciais de ações (IPOs) promissoras parece ter chegado ao fim ou, ao menos, sofreu um forte desgaste. Após anos bem-sucedidos para a entrada de empresas no mercado de capitais, num ciclo que ganhou fôlego em 2007, os ânimos esfriaram e a bolsa brasileira passou a enfrentar não apenas um marasmo, mas a saída de companhias listadas.

O desalento com a economia local, que se contrapõe à recuperação de países desenvolvidos, aliado à frustração com a Bovespa nos últimos anos têm contribuído para o menor interesse do investidor e das próprias companhias de capital aberto, mais atraídas pelo caminho de saída que pelo de entrada da bolsa. Além de decisões estratégias por trás de ofertas públicas de aquisição de ações (OPAs), preços descontados no mercado estimulam as operações.

Levantamento da provedora de informações financeiras Quantum mostra que, desde 2007, o número de ofertas para fechamento de capital superou o de aberturas em 2008 e 2012. E tudo indica que 2014 vai ser ainda mais representativo. Até agora, seis empresas anunciaram a intenção de fechar capital. E outras quatro, dentre as quais o gigante Santander, estão conduzindo operações que prometem reduzir - e muito - o volume de ações em circulação.

Se todas as ofertas para fechar capital ou lançadas pelos controladores já anunciadas forem levadas a cabo, podem movimentar quase R$ 19 bilhões, dos quais até R$ 14,3 bilhões relativos à transferência de papéis do Santander para a bolsa espanhola. A proposta é de uma troca de ações do banco brasileiro pelos da controladora com sede na Espanha.

Na contramão, há apenas uma oferta inicial de ações programada, da JBS Foods, que pode captar cerca de R$ 3 bilhões. Mas há dúvidas de que ela possa ser concretizada neste ano, por conta da volatilidade do período pré-eleitoral.

Ainda que seja natural esperar um desaquecimento do ritmo dos IPOs após o "boom" de 2007, quando mais de 60 empresa se listaram na bolsa, um mercado mais enxuto tem dificultado a vida do investidor que busca a diversificação de suas aplicações.

"A preocupação é que, se essa tendência se mantiver, teremos um mercado muito mais restrito em quantidade de empresas. Para o país é muito ruim, já que o mercado deveria atuar como uma fonte de financiamento", afirma Pedro Rudge, sócio da gestora de recursos Leblon.

O analista de gestão do banco Fator, Obede Rodrigues, aponta a própria redução de interesse da pessoa física ao longo dos anos, com um número de contas de custódia de pessoas físicas de 568,2 mil ao fim de maio, abaixo do total registrado em fins de período nos últimos quatro anos. "A OPA diminui a opção do investidor, ainda que, num primeiro momento, ele ganhe, por conta do prêmio pelas ações", diz Rodrigues. "No fim, ele tem que buscar outras opções de investimento, outros ativos."

Tem chamado atenção o movimento em torno de setores como o de saúde, com o fechamento de capital da Amil pela nova controladora United Health, a OPA da Dasa, cujo controle foi adquirido em março pelo empresário Edson Bueno - fundador da Amil -, e as negociações envolvendo a venda do Fleury. O investidor tende a contar com menos opções em um segmento com diversos motores para o longo prazo, como a melhora do acesso à saúde no Brasil, o aumento de renda e o envelhecimento da população.

Mas se saúde é visto como um segmento mal representado na bolsa, o de educação é tido com potencial por Daniel Reichstul, sócio da gestora de fundos de renda variável Indie Capital. "O setor de educação tem muito crescimento ainda. Ele tem uma penetração baixa no país e uma tese secular que ainda faz bastante sentido", aponta Reichstul, que lembra dos IPOs de Anima Educação e Ser Educacional em 2013. "É um setor que pode vir a ganhar musculatura."

Para Luiz Henrique Guerra, também sócio da Indie Capital, o setor de saúde ainda tem espaço para se desenvolver pelo lado de varejo de drogarias. A área de infraestrutura, diante das concessões feitas no Brasil, como de aeroportos, também é outro segmento com grande potencial, na visão de Guerra.

Para o analista de gestão do banco Fator, as novas medidas anunciadas pelo governo para incentivar as captações de recursos no mercado de capitais, principalmente de companhias de menor porte, podem ajudar a aumentar o interesse do investidor, que terá mais alternativas para diversificar sua carteira em bolsa.

As decisões, diz Rodrigues, tendem a baratear o acesso dessas empresas em bolsa, diante da isenção de imposto de renda (IR) sobre os ganhos de capital no investimento em ações de companhias de pequeno e médio porte. "É uma possibilidade que deve trazer um passo positivo para IPOs já no próximo ano", afirma o analista.

Os sócios da Indie Capital também veem as medidas como positivas, mas ainda demonstram certo ceticismo com relação ao prazo de maturação e o impacto sobre a bolsa como um todo.

Reichstul destaca que o cenário eleitoral é um ponto importante para destravar o mercado de capitais e diz considerar que algumas empresas de médio porte estariam prontas para entrar na bolsa se a época fosse de maior otimismo. "Em 2007, o Brasil era visto como uma economia que crescia bastante e, aos poucos, isso foi se perdendo. Hoje o ambiente é mais desafiador para uma empresa fazer IPO", comenta Guerra, que também faz menção aos "estragos" do episódio envolvendo a OGX.

Will Landers, principal gestor de fundos para a América Latina da BlackRock, coloca a questão eleitoral como circunstancial. "O mercado está pessimista, mas isso pode mudar depois das eleições. Para os controladores que já queriam comprar ações, esse é o melhor momento", ressalta.

Marina Corrêa Lemos, da consultoria financeira Capitânia, afirma que, para companhias menores, os custos de se manter listados podem ser muito pesados. "Muitas empresas vieram a mercado num momento de euforia, em que era relativamente mais fácil captar dinheiro a custo baixo. Muitas delas estão percebendo que os gastos para se manter listadas hoje não compensam mais os benefícios."

Rudge, da Leblon, considera saudável que, em momentos de pior avaliação do mercado em relação aos preços das ações, elas sejam recompradas. "Mas é ruim ser sócio de um controlador que não vê mais sentido em se manter listado. Queremos empresas que vejam valor no mercado e estejam no mesmo barco do investidor", diz.

Além dos custos elevados e dos preços favoráveis às ofertas para o controlador, o mau momento para as empresas pode favorecer as OPAs. A Brookfield, de construção residencial, recebeu uma oferta para tirar a companhia da bolsa, após prejuízos consecutivos, por conta de estouros de custos e dificuldades de desovar estoques. Além disso, a intenção da controladora de tirá-la do mercado surgiu meses após denúncias de pagamento de suborno à prefeitura de São Paulo.

Não à toa, a controladora se propôs a pagar, no máximo, R$ 1,60 por ação para tirar a companhia da bolsa. O preço está abaixo do valor patrimonial, aquele que resta se forem vendidos todos os ativos e cumpridas todas as obrigações. E é 76% inferior aos R$ 6,80 por papel da oferta subsequente da empresa, feita em 2009, quanto a então Brascan se uniu à Company na fusão que deu origem à companhia.

Para driblar o fato de o mercado acionário brasileiro ser ainda pequeno e contar com poucas empresas que valham a pena, Pedro Andrade, sócio da gestora de recursos IP Capital Partners, defende o investimento em Brazilian Depositary Receipts (BDRs), recibos de ações de companhias estrangeiras negociados no Brasil. A BM&FBovespa conta hoje com 70 BDRs não patrocinados - emitidos por instituições financeiras no Brasil, e não pela respectiva empresa -, de setores variados da economia americana e pouco representados no mercado local, e tem planos de ter programas de companhias europeias.

Rodrigues, do banco Fator, também vê oportunidades nos BDRs, mas cita as exigências elevadas em torno do produto como um entrave ao seu desenvolvimento. Apenas investidores com aplicações financeiras em valor superior a R$ 1 milhão podem comprar BDRs diretamente e os fundos que alocam recursos no produto são voltados aos investidores qualificados, ou seja, com mais de R$ 300 mil em aplicações financeiras. Mas se forem aprovados os textos das instruções 409 e 539, hoje em audiência pública, esse valor dos fundos vai subir para R$ 1 milhão.

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