Valor Econômico de 24 de setembro de 2013
Por Luis Antonio Semeghini de Souza
A concentração de controle nas empresas de capital aberto no Brasil determina a prevalência de membros de conselhos de administração vinculados a acionistas, ou seja, os conselheiros independentes, como regra, são minoria.
Nos EUA, a vasta maioria dos conselheiros nas companhias de capital aberto é de profissionais independentes. A dispersão de capital e controle, modelos de expansão, financiamento e governança mais avançados justificam a diferença entre os dois países.
Novidade recente, pós-crise de 2008, novas preocupações da comunidade financeira têm mudado um pouco a tendência. É natural investidores resolverem ter presença mais ativa na gestão. Ganham destaque, portanto, os chamados acionistas ativistas.
Os acionistas ativistas nos EUA têm como principal arma a indicação de membros para o conselho das empresas de capital aberto daquele país. É crescente, assim, nos EUA a figura do conselheiro nomeado por um acionista.
Esses conselheiros vinculados, desde que sejam minoria, atualmente ganham suporte da comunidade financeira internacional.
Aqui, como lá, conselheiros vinculados criam considerações sérias quanto a sigilo e conflito de interesses.
A primeira consideração é que, como corolário da responsabilidade do membro do conselho de administração, este deverá ter acesso irrestrito a todas as informações. Não há como ser seletivo: esse conselheiro indicado por A não recebe informação sensível ao acionista A. Essa formulação, além de praticidade duvidosa, seria legalmente questionável, pois, como dito, o acesso deve ser irrestrito, de outra forma se imporiam excludentes à responsabilidade do conselheiro.
A par disso, a condução de um conselho de administração envolve não raramente informações de natureza confidencial. Como conduzir debates no âmbito do conselho de administração sabendo de antemão que haverá um vazamento? Será que o acionista que indicou o membro do conselho tem direito a todas as informações a que este último terá acesso?
Aqui há um conflito entre duas situações que encontram amparo em princípios e normas legais. Um conselheiro, ao ser eleito, assume imediatamente responsabilidades fiduciárias perante o conselho, a companhia e todos os seus acionistas. Dentre tais responsabilidades, há destaque para o dever de confidencialidade.
Mas não há como ignorar que o conselheiro indicado age como mandatário do acionista que o indicou, de forma que o fluxo de informações é algo que naturalmente se espera entre eles. Há na experiência americana precedentes indicando que o mesmo acesso irrestrito do conselheiro vinculado a informações deve ser assegurado ao acionista que o indicou.
A circunstância ganha contornos menos litigiosos quando o conselheiro tenha sido indicado por acionista controlador, que, de qualquer forma, pela condição do controle, teria acesso irrestrito à informação.
A questão é como lidar com o problema quando a indicação parte de um acionista minoritário. Sem as devidas salvaguardas, um conselheiro vinculado a um acionista minoritário poderá causar uma séria ruptura no bom funcionamento do conselho.
Algumas possíveis salvaguardas envolvem alterações nos estatutos sociais e demais documentos corporativos, de forma a assegurar a confidencialidade das informações recebidas, assim como obrigar o conselheiro vinculado a revelar toda a extensão de seu relacionamento, remuneração e demais incentivos associados a sua atividade. Trata-se de se reafirmar, por declarações escritas e lançadas de próprio punho, deveres e obrigações de natureza legal, às vezes associando-se à violação multas e outras cominações mais objetivas e quantificáveis; a par disso, por meio do "disclosure", cria-se procedimento escrito onde a sonegação de informação ou omissão resultam em declaração inverídica, dando-se consequência legal, civil e até criminal à inveracidade das informações.
Evidentemente que a intenção, antes de efetivamente coibir o livre fluxo de informações, é em realidade criar condições para a exclusão do conselheiro que venha a violar os compromissos assumidos.
Em algumas situações, o tema toma tal relevo que medidas de autoexecutoriedade são adotadas. Por exemplo, pode-se ter a renúncia do conselheiro entregue com sua eficácia suspensa, dependendo de verificação de que houve violação no dever de sigilo por parte do conselheiro vinculado.
Assunto correlato envolve os chamados "interlocking directorates", conselhos de administração que contam com membros que participam de outros conselhos, às vezes até de conselhos em companhias concorrentes.
O certo é que há uma presunção de que os conselheiros agem em boa-fé e na crença honesta de que o fazem no melhor interesse da companhia. Dessa forma, o temor de que possa o conselheiro abusar de sua posição e tornar informações confidenciais disponíveis a terceiros não é razão suficiente para impedir "ex ante" o acesso à informação; mais certo o tomar salvaguardas para identificar e evidenciar a violação e imediatamente ter às mãos ferramentas que possam coibir o abuso.
Luis Antonio Semeghini de Souza é advogado, sócio do Souza, Cescon, Barrieu & Flesch Advogados
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações
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