Transparência e Governança

 
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Artigo - O Óbvio Ululante

 

Artigo

 

Por Romano Allegro

 

 

Certas coisas que deveriam ser óbvias acabam dando margem a discussões e interpretações absolutamente sem sentido, sempre de acordo com agendas (mal) escondidas. É o caso da discussão sobre a atuação do BNDES e dos fundos de pensão de empresas estatais, que neste ano votaram como minoritários em muitas das assembleias de empresas controladas pelo governo. A pergunta é: fundos de pensão podem ser minoritários nas suas patrocinadoras?

 

Primeiramente, a resposta já foi dada pelo regulador, e é NÃO: a CVM se manifestou nos casos Mendesprev e Sergus, no sentido de que uma entidade fechada de previdência privada não pode ser considerada minoritária na assembleia de sua patrocinadora, se restar comprovado que a governança daquela tem influência desta. O primeiro caso, inclusive, foi plenamente ratificado pelo “Conselhinho”, encerrando assim a discussão na esfera administrativa.

Os maiores fundos de pensão de estatais têm virtualmente a mesma estrutura de governança: um conselho deliberativo de 6 membros, com representação paritária entre participantes e patrocinadora, mas com a presidência cabendo a esta última. Com a presidência vai o voto de minerva, que garante à patrocinadora a prevalência nas decisões. Ou seja, no final das contas, quem manda é o governo.

Mas essa discussão formal, embora cristalina, deveria ser irrelevante frente a um argumento ainda mais forte. Como dizia Doutor Ulysses - “ Sua Excelência, o Fato”.

E o fato é que até mesmo as areias do Mourisco, as pedras da Rua do Ouvidor e as janelas espelhadas de Brasilia sabem exatamente quem dá as cartas nos fundos de pensão de estatais: é o Governo Federal ! Alegar o contrário é insultar a inteligência da contraparte – e não precisamos ir além da última sucessão na Previ para termos prova disso.

No caso da Petrobrás, é sabido que os conselheiros eleitos pelos fundos estatais foram convidados para esta função diretamente pelo governo. E embora sejam brasileiros de ilibada reputação, não podem ser considerados independentes na função de conselheiros da Petrobrás. Antes terem deveres fiduciários em relação a esta, devem fidelidade às suas respectivas organizações – que também são empresas abertas com acionistas minoritários. Não é por outra razão que os conselheiros ditos independentes aprovaram a capitalização da Petrobrás, que tantos prejuízos gerou a seus acionistas.

No mais, alegam-se factoides para sugerir que os fundos poderiam votar como minoritários – subtraindo assim dos minoritários legítimos – inclusive eu e você – a prerrogativa de eleger administradores verdadeiramente independentes.

Factoide 1: a natureza de direito privado dos fundos de pensão. Trata-se de discussão absolutamente irrelevante para a determinação da natureza dos fundos de pensão como minoritários. São entidades de direito privado sim, mas têm seus desígnios determinados nos gabinetes de Brasilia.

Factoide 2: a abstenção, mandatória ou voluntária, de conselheiros eleitos pela patrocinadora. A abstenção dos administradores não afasta a ligação estrutural entre os fundos de pensão, estatais e, consequentemente, governo. Ilustrando: uma abstenção da Sra. Maria das Graças Foster de deliberação do conselho da BR Distribuidora não muda o fato de que esta é uma subsidiária da Petrobrás. Da mesma forma, a abstenção de um diretor da Petros nomeado pela Petrobrás não elimina sua condição de parte relacionada – o que aliás é reconhecido até mesmo no balanço da Petrobrás.

É triste que o óbvio precise ser dolorosamente defendido para finalmente se impor. A inação da CVM em casos como a assembleia da Petrobrás, e a incapacidade de investidores institucionais em acionar a Justiça para fazer prevalecer a verdade colocam em xeque a essência dos freios e contrapesos que deveriam ser a base de nosso mercado de capitais.

Romano Allegro

 

 

 

 

 

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