Transparência e Governança

 
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Alexandre Di Miceli


Alexandre Di Miceli

 

1-  Esperar que companhias abertas sempre tenham melhor governança pela presença de fundos de pensão ou do BNDES em seu bloco de controle pode ser considerado um mito?

Infelizmente as evidências até o momento indicam que sim, isto é, que a presença desses investidores como acionistas relevantes não é associada a padrões mais elevados de governança. Estamos conduzindo um ampla pesquisa neste sentido, cujos resultados definitivos devem estar disponíveis até meados deste ano. Até o momento, reunimos dados de 239 companhias. Os resultados preliminares – disponíveis no link SSRN: http://ssrn.com/abstract=1957110 – são desapontadores. A presença de fundos de pensão é associada a uma pior nota geral de governança (mensurada por dois questionários distintos com cerca de 20 perguntas cada), além de uma menor chance da empresa de ser listada no Novo Mercado. Já a participação do BNDESpar como acionista relevante não corresponde a uma nota diferente de governança nem a uma probabilidade maior ou menor da empresa pertencer ao Novo Mercado. Esse resultado geral fica ainda mais evidente quando aprofundamos a análise em questões mais específicas de governança, relativas a quatro dimensões-chave associadas ao tema: i) composição do conselho de administração; ii) funcionamento do conselho; iii) sistema de remuneração; e iv) controles (auditorias, gestão de riscos e controles internos). Ao final, extraímos duas conclusões sobre a atuação desses investidores institucionais no mercado brasileiro até o momento:

i)  Grandes fundos de pensão: geralmente não se preocupam em seguir a risca os preceitos dos principais códigos de governança mundiais, incluindo o código do IBGC. Uma análise qualitativa adicional das companhias investidas por fundos de pensão sugere ainda que eles são propensos a cultivar hábitos singulares, tais como: a indicação de pessoas que atuam na gestão dos fundos como conselheiros, no lugar do foco em profissionais independentes; a ampla utilização de conselheiros suplentes; o uso de reuniões prévias entre representantes de acionistas para decidir sobre matérias de competência do conselho; a preferência por conselho fiscal em detrimento ao comitê de auditoria; e o baixo nível de priorização de fazer suas empresas aderirem ao Novo Mercado. Somada a alguns casos recentes polêmico, a pesquisa indica que esses fundos podem colocar outras motivações à frente do objetivo de maximizar o valor de suas carteiras de investimento, com efeitos potencialmente negativos para seus próprios beneficiários.

ii) BNDESPar: sua presença como acionista relevante não sinaliza nenhum padrão diferenciado de governança, o que sugere um papel extremamente passivo do banco. O elevado percentual de empresas investidas pela instituição que se recusam a divulgar a remuneração de acordo com as exigências da Instrução 480 da CVM evidencia ainda uma contradição: o banco estatal é acionista relevante de companhias que simplesmente se negam a cumprir uma determinação do Estado brasileiro.

2 -  De acordo com suas pesquisas, que tipo de investidor traz melhoras para a governança e em quais situações há melhoras na governança das companhias?

Na mesma pesquisa mencionada na pergunta anterior, avaliamos também a relação entre a presença de fundos de investimento em ações e/ou de private equity e as práticas de governança das empresas investidas. Os resultados preliminares indicam que esses são os investidores institucionais mais associados com as práticas recomendadas de governança no mercado brasileiro. Entretanto, duas questões devem ser observadas cuidadosamente na atuação desses fundos: a maior agressividade dos sistemas de remuneração (evidenciados pelo maior peso da remuneração variável para os executivos e pela concessão de opções de ações para conselheiros de algumas empresas) e a relativa menor ênfase dada às áreas de controle. Tomados em conjunto, tem-se uma combinação potencialmente explosiva de incentivos agressivos e baixo foco em controles, conforme observado na recente crise financeira global. Além disso, vários casos reportados na mídia especializada reforçam a ideia de que a maioria dos gestores tende a agir de forma reativa quando seus interesses são prejudicados em operações societárias específicas (geralmente fusões e aquisições, fechamentos de capital, conversões de ações, etc.), ao invés de fomentarem proativamente melhores práticas de governança.

3 -  Quais foram as maiores frustrações que você viu no mercado em relação a uma expectativa de que determinado investidor poderia melhorar a relação de investidores controladores e minoritários?

Mais do que casos específicos, há uma expectativa geral de que os investidores institucionais – os mais importantes do mercado – sempre apoiarão as iniciativas pró-boas práticas de governança e preferirão alocar seus recursos em empresas que optem por padrões mais elevados de governança (ou ao menos que se comprometam a avançar nas questões-chave de governança futuramente). Infelizmente, entretanto, as evidências não tem apoiado esta visão até o momento. Dois grandes exemplos ocorreram recentemente em nosso mercado:

i) Em 2010 a BM&FBOVESPA procurou elevar o padrão de governança das empresas do Novo Mercado. Na ocasião, duas medidas-chave em termos de alinhamento às práticas recomendadas de governança foram rejeitadas pela maioria das empresas: obrigatoriedade do Comitê de Auditoria e elevação do percentual mínimo de conselheiros independentes para 30%. Ao invés de apoiar publicamente essas iniciativas e pressionar suas empresas para que votassem favoravelmente na reforma do Novo Mercado, constatamos de forma surpreendente que o percentual de rejeição das propostas foi similar para as empresas com e sem a presença de institucionais como acionistas relevantes.

ii) No mesmo ano, a CVM passou a exigir das empresas a divulgação da remuneração mínima, média e máxima por órgão de administração (conselho e diretoria) no Formulário de Referência. Várias empresas se recusaram (e continuam se recusando) a prestar tal informação para seus acionistas, recorrendo à justiça comum (provavelmente com recursos pagos pelos próprios acionistas). Além da ausência de manifestações públicas maciças de investidores institucionais no sentido de apoiar a CVM nesta iniciativa, constatamos, para nossa surpresa, que a presença de grandes fundos de pensão e do BNDESPar como acionistas relevantes se mostrou associada a um percentual menor de cumprimento desta determinação do regulador brasileiro. Em outras palavras, a chance de a empresa dar transparência sobre a remuneração dos administradores para seus acionistas se mostrou menor nas empresas com presença desses investidores institucionais-chave como acionistas relevantes.

Qual o motivo da falta de foco dos institucionais por aprimoramentos efetivos de governança em suas investidas? Basicamente, problemas estruturais que tendem a prejudicar a atuação efetiva desses investidores em todos os mercados – tais como o horizonte de investimento, conflitos de interesses, incentivos econômicos e porte – e problemas específicos associados ao mercado brasileiro, tais como o eventual foco em soluções políticas ao invés do resultado econômico dos investimentos por parte de alguns desses investidores-chave.

 

 

Perfil

Alexandre Di Miceli da Silveira é Professor da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP). É Doutor e Mestre em Administração de Empresas - Finanças pela FEA-USP, com Pós-Doutorado pela Université Catholique de Louvain, Bélgica (2010-2011). Foi Pesquisador Chefe do IBGC (2005-2007), Coordenador Executivo do Centro de Estudos em Governança Corporativa (CEG) da Fipecafi (2008-2011) e Vice-Presidente da Sociedade Brasileira de Finanças (2009-2011). É articulista da Revista Capital Aberto com uma coluna mensal sobre Governança Corporativa desde abril de 2005 e autor do livro "Governança Corporativa: Teoria e Prática no Brasil e no Mundo”, finalista do Prêmio Jabuti 2011.

 

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