Transparência e Governança

 
  • Increase font size
  • Default font size
  • Decrease font size


Dwight Clancy (Tradução)

Acionistas estrangeiros continuam sendo excluídos da participação em companhias abertas brasileiras

Em 19 de março de 2012, a Petrobras realizou sua assembleia anual dos acionistas para eleger os membros do Conselho de Administração, órgão responsável por traçar a estratégia de ação dos negócios e fiscalizar o trabalho dos executivos, cuidando assim dos direitos dos acionistas. Tradicionalmente, essa assembleia é tratada com mera formalidade, mas não foi o que aconteceu no último encontro.

Pela primeira vez na história do mercado de capitais do Brasil, um grupo de acionistas minoritários liderados pela BlackRock Global Asset Management e pela gestora de recursos brasileira Polo Capital, tentou aprovar a indicação dos dois conselheiros independentes que a lei permite ao grupo de acionistas minoritários da Petrobras. O dispositivo da lei é destinado a contrabalançar o poder exercido pelo controladores de empresas, neste caso, o Governo do Brasil, que possui diretamente mais de 50% das ações ordinárias da Petrobras. Os minoritários, então, reuniram-se e conseguiram fechar a quantidade de ações necessárias para elegerem seus representantes de direito.

A Lei das S/A permite aos acionistas detentores de ações preferenciais (PN) eleger um membro para o conselho de administração desde que reúnam ao menos 10% dessas ações. Já os acionistas com ações ordinárias (ON) podem eleger um membro se reunirem ao menos 15% do total. Os limites parecem ser altos, considerando que a Petrobras possui uma capitalização de mercado em torno de US$ 130 bilhões. Mas Blackrock possui 5% das ações preferenciais e articulou com outras sete gestoras os 5% restantes.

Então, por que os acionistas minoritários não conseguiram eleger seus candidatos ao conselho de administração na última assembleia da Petrobras?

O governo brasileiro detém uma participação controladora direta. Possui 50,2% das ações ordinárias e possui maioria absoluta no conselho. Mas, indiretamente, também controla a maioria dos minoritários, que é formada por BNDES, Petros e Previ, os fundos de pensão da Petrobras e do Banco do Brasil. Como o governo controla diretamente tais instituições, os votos que elas detém são direcionados para o que o governo quer. E o governo quer o controle total da Petrobras.

BNDES, Petros e Previ, juntos, asseguram pouco mais de 15% das ações ordinárias e 27% das ações preferenciais, muito mais do que possuem os minoritários independentes. A Lei das S/A é clara quando proíbe o acionista controlador  de indicar os conselheiros destinados aos acionistas minoritários. Mas, nesse caso, o controlador o fez indiretamente. Agiu como minoritário ao usar as ações do BNDES e dos fundos de pensão e conseguiu agregar mais votos em favor de seus candidatos do que os acionistas minoritários independentes foram capazes de reunir em torno dos seus.

Com isso, o estado brasileiro optou por manter o status quo e reelegeu Josué Gomes da Silva, filho do ex-vice-presidente José Alencar, e Jorge Gerdau Johannpeter, presidente e acionista controlador do maior produtor de aço do Brasil – a Gerdau –  um importante fornecedor de Petrobras - aos lugares reservados no conselho aos acionistas minoritários de fato. Como resultado, o conselho continuou a ser inteiramente composto de indivíduos que estão ligados ou contratados pelo governo brasileiro.

Embora os acionistas independentes do Estado possuam em torno de 50% do total das ações da Petrobras, eles não terão ninguém no conselho de administração que represente seus interesses porque não conseguiram se reunir em tempo para juntar as ações necessárias durante o processo que antecede a votação.

Por que não puderam os acionistas minoritários reunir mais votos do que o BNDES?

Os motivos que levaram ao insucesso da Blackrock e Polo em eleger seus candidatos está enraizado no sistema eleitoral de companhias abertas brasileiras. Apesar dos esforços da CVM para aumentar a participação nas assembléias de acionistas por meio da regulação, os acionistas estrangeiros continuam a ser efetivamente excluídos da participação.

Se você é o gestor de um fundo de investimento estrangeiro e quer apoiar um candidato independente para o conselho de administração da Petrobras ou qualquer outra empresa no Brasil, os regulamentos em vigor permitem duas formas para fazê-lo. A maneira mais fácil seria pegar um vôo para o Brasil e, reunindo toda a papelada necessária, participar da reunião. Infelizmente, por causa do custo associado, a maioria dos gestores de fundos estrangeiros só optam por esta alternativa se tiverem uma participação estratégica na empresa.

Em vez disso, os investidores estrangeiros preferem a maneira mais eficiente de participação nas assembleias de acionistas: o voto por procuração (proxy voting, em inglês). No caso do Brasil, significa enviar um advogado munido de procuração para participar da reunião em nome de dezenas e às vezes centenas de fundos de investimentos estrangeiros. Mas quem contrata o advogado?

Os investidores estrangeiros com ações em milhares de empresas ao redor do mundo  contratam os serviços de um banco custodiante global para ajudá-los a gerenciar o processo de votação. Esse banco possui uma rede de bancos de custódia contratada localmente para ajudá-lo a endereçar os votos de seus clientes nas inúmeras assembléias existentes. Por exemplo, a Blackrock pode contratar o BNY Mellon como custodiante global que por sua vez irá contratar o Banco Itaú como custodiante local. O Itaú, neste exemplo, contrata um escritório de advocacia para enviar um profissional que irá votar em nome de todos os investidores estrangeiros daquela empresa.

Agora, como você garante que o advogado enviado para participar da assembleia irá votar no candidato escolhido?

A resposta é: não garante. No Brasil, a empresa informa seus acionistas sobre a realização de uma assembléia com pelo menos 15 dias de antecedência. A empresa torna a agenda disponível ao público para que os acionistas possam se antecipar aos temas que serão discutidos. A CVM, no entanto, exige apenas que as empresas divulguem aos seus acionistas os candidatos que ela mesma indicou para o conselho de administração. Cabe aos acionistas minoritários decidir paralelamente sobre seus próprios candidatos e nomeá-los apenas no dia reunião. No caso da Petrobras, a Blackrock e a Polo já haviam escolhido seus candidatos com certa antecedência, mas para angariar o apoio de acionistas estrangeiros, tiveram que usar meios alternativos, como email, telefone e visitas. No entanto, quando chegou a hora dos acionistas estrangeiros instruírem o voto a favor dos candidatos dos minoritários eles descobriram que não havia maneira de fazê-lo, pois não constavam do processo de votação.

Os investidores estrangeiros enviaram seus votos para os seus bancos de custódia através de um dos vários serviços de votação on-line, como os fornecidos pelas empresas  Broadridge e Riskmetrics. Os acionistas estão limitados a votar a favor, contra ou abster-se em cada item da agenda da empresa. No caso da Petrobras, o item 4 a continha  os candidatos para o conselho indicados pela administração, mas não aqueles indicados pela Blackrock e Polo.

O que pode ser feito para facilitar a eleição dos candidatos indicados pelos acionistas minoritários?

A fim de permitir que os acionistas votem por procuração para apoiar os candidatos indicados pelos minoritários, a pauta da assembleia deve incluir a lista com todos aquelas pessoas que pretendem se candidatar ao conselho da empresa. Essa pauta deve estar pronta com antecedência necessária para que todos os estrangeiros possam saber quem representará melhor seus interesses e, assim endereçar seus votos.

A agenda também deveria conter outras informações relevantes, como as duas etapas que compõem a eleição - primeiro ocorre a votação da chapa dos controladores e, num segundo momento, a eleição da chapa dos minoritários -. Mas isso não ocorre. A empresa não recebe os nomes dos candidatos antecipadamente, e no caso dos minoritários, a divulgação da chapa acontece no mesmo dia da votação.

Caso os quatro candidatos indicados pela Polo e Blackrock fossem conhecidos por todos os investidores da Petrobras com antecedência necessária, sem dúvida, conseguiriam o apoio de muitos outros de acionistas estrangeiros e, possivelmente, ganhariam a eleição.

Os acionistas minoritários no Brasil possuem o direito de eleger representantes para o conselho de administração de companhias abertas para proteger os seus interesses. Infelizmente, conforme o caso Petrobras demonstrou, este direito é puramente teórico. O Brasil vive uma nova realidade econômica na América Latina e suas práticas econômicas e sociais estão sendo divulgadas e conhecidas para muito além de suas fronteiras.

A fim de proteger os direitos reconhecidos a todos os acionistas, independentemente da sua localização, o Brasil deve adotar um sistema que torne essas eleições mais transparentes e permita a participação efetiva dos acionistas na fiscalização das companhias de capital aberto no Brasil.

 

Perfil


Dwight Clancy é Bacharel em Economia pela University of California, San Diego e estudou economia política latino-americana na Universidade de Belgrano em Buenos Aires, Argentina. Ele se juntou à Glass, Lewis & Co. em 2007 como um associado de pesquisa e atualmente atua como chefe de pesquisa da América Latina e Península Ibérica. Clancy é um colaborador ativo da Organização para a Cooperação Económica e Desenvolvimento de Governança Corporativa da América Latina e do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa sobre o tema da cooperação transfronteiriça voto por procuração.

 

Política de Moderação


Copyright © 2024 Transparência e Governança. Todos os direitos reservados.
___by: ITOO Webmarketing